LIVRO ARPOADOR
Author: Artur Omar (1999)
Sentado no seu rochedo, Marcos Bonisson sabe que tem diante de si a mesma praia e a mesma luminosidade que vemos todos os dias, mas o trabalho fotográfico é uma aventura que começa do zero a cada momento. Tudo aqui é calor, mas em suspensão. Calor Congelado. Grãos de prata formam a areia dessa praia infinita. Lentamente a Balada vai sendo construída somente com corpos. A Balada é um assunto de corpos, o reino dos corpos singulares, apesar das dobras da paisagem que a tudo sustenta, e que vaza por todos os lados. O fotógrafo trabalha com a suspensão. Muitas vezes a suspensão é literal, e o personagem esta suspenso no ar, como se fosse da sua natureza estar ali e viver assim, de cabeça para baixo. Entre o céu e o mar, como um filósofo atlético que tivesse vestido subitamente, a camisa de gravitação universal pelo lado avesso.
Mas o corpo solar não é um corpo angelical, que teria perdido a substância para se fundir com a luz. Ao contrário, é um corpo erótico. Feito de carne e matéria densíssima. Grandes são, portanto as maravilhas que executa com o seu peso. Os corpos mudam de posição, o olho penetra nos intervalos, de repente, já não é mais a câmera que esta diante dos corpos, mas os corpos que vão saindo da câmera, como as notas de um trompete, num blues seco e essencial, aonde os corpos vão se reorganizando no ar, entrelaçando suas posturas, sempre novas, a cada momento e trocando de lugar e se recompondo de encontro á intensa luz solar que transforma em sagrada essa alegria que faz a prova dos nove. Estado de jazz. Corpos fora: Zero.
Os corpos da balada nunca sabem em que ponto do tempo vão estar. O olho fotográfico percebe que os corpos nunca se banham no mesmo sol, e o sol nunca emite duas vezes o mesmo raio. Sentado em seu rochedo e apontando a câmera para um mesmo lugar, as diferenças vão se tornando cada vez mais gritantes. Numa sucessão vertiginosa de estados, o corpo solar pode estar quase ao mesmo tempo nas areias do Arpoador, na Riviera de Lartigue, ou no deserto mexicano de Weston, para logo em seguida voltar para Ipanema, só que duas quadras depois, ou cem anos antes, ou daqui a mil, quando o sol tiver outro nome.